quinta-feira, 17 de setembro de 2015

No ringue da internet somos nós que perdemos

Recentemente assisti a um vídeo em que o jovem libertário Kim Katagiri alfineta o deputado Jean Willys. O rapazote pinçou uma fala do deputado em que ele erra as datas de alguns fatos históricos na tentativa de sustentar a afirmação de que os gays são o grupo mais perseguido na história. Kim rebate o erro cronológico e, como macartismo tacanho que lhe é característico, ataca o socialismo e aponta os defensores da liberdade ou libertários como sendo o grupo mais perseguido e odiado da história.

Bom, nenhum dos dois é historiador e estão a se meter em uma seara em que, me parece, um entendo pouco e outro nada. Esse, todavia, não é o ponto, o que me chama a atenção nesse episódio, é o fato lamentável de um debate importante como gênero, sexualidade e direitos dos LGBT seja reduzido a uma vendeta pessoal entre duas figuras públicas.


Essa é uma estratégia publicitária das mais antigas e mais eficazes. Assim como adoramos ver gente trocando sopapos nos ringues até que estejam cobertos de sangue e suor, reduzidos a uma massa grotesca de inchaços e hematomas, também adoramos ver uma boa lavagem de roupa suja em público e um debate acalorado em que importa menos o que se debate e mais o aspecto belicoso da coisa toda. No começo de sua carreira como costureiro, Clodovil arrumou um rival e, de comum acordo, trocavam alfinetadas pela mídia, assim cresciam ambos. Com esse vídeo que o jovem Kim (ironicamente com um penteado que parecia imitar o de Jean) certamente não espera realmente debater, mas conseguir mídia espontânea, likes e compartilhamentos, até eu que não nutro simpatia por ele vi. O irônico da história, é que essa estratégia ajuda os dois lados e só atrapalha o público, que se vê levado pelas emoções a escolher um lado da contenda como sendo o portador da verdade e o outro como o vilão e inimigo a ser derrotado.

O chato é que, da posição de historiador, ambos estão prá lá de equivocados. Primeiro não há um ranking dos mais perseguidos da história. Atenas era democracia homoerótica, em Roma era esperado que os homens fossem bissexuais, apenas para citar alguns exemplos. Se eu tivesse que dar um palpite sobre que grupo foi mais oprimido e perseguido durante a nossa história num primeiro momento eu pensaria nos judeus, mas logo em seguida eu me recordaria que, mesmo entre os oprimidos e perseguidos judeus, as mulheres eram muito oprimidas, e colocaria em primeiro lugar as mulheres. Kim, com um senso de história quase tão extenso quanto sua idade, parece não conhecer o fato de que as ideias são polissêmicas e possuem uma história, e uma história venerável. Creio que o sentido que ele atribui à liberdade seja justamente aquele que surge com a ascensão da burguesia com o advento das revoluções francesa e industrial, na acepção que lhe dão os filósofos iluministas, logo, não havia defensores desse tipo de liberdade antes do século XVIII.
Nesse tipo de debate que não passa de estratégia de propaganda, importam menos os argumentos e muito mais a retórica e oratória de cada um dos contendores. A falácia do Ad Hominem é a regra, pois o que se deseja demonstrar é justamente a incapacidade do meu interlocutor, ele é um parvo e defende ideias contrárias a minhas, logo, só um parvo defende ideias contrárias as minhas e eu, que nesse caso fico no lugar de sabido, não só estou certo, como estou do lado de uma verdade infalível. A isso se somam as mais populares falácias: argumentum ad ignorantiam, argumentum ad populum, e o mais importante  deles, o coração do seu macartismo, argumentum ad baculum, tremei, pois a revolução comunista espreita e estou aqui para salvá-los! Tudo o que se busca com esse estratagema é popularidade.

Lamentavelmente, um dos aspectos de nossa indigência política é justamente essa terrível pusilanimidade argumentativa, pautada por uma profunda desonestidade intelectual e por esse sentimento primitivo de torcida. Nesse caso em particular, os dois falaram besteira, mas ainda assim encontram quem os aplauda. No MMA fica claro quem vence, no nosso caso, só fica claro quem perde e somos todos nós. Empobrecemos nossa capacidade de interpretar o mundo, nos deixamos levar pela emoção, e, ao invés de pensar e analisar, apenas torcemos. É triste que poucos se recordem de um axioma psicológico proposto por Jung, o de que “se é aquilo que se combate”. Eu, de minha parte, além de lamentar e escrever algo a respeito, não sei muito bem o que fazer, visto o palco das redes sociais onde circulam essas “peças publicitárias” ser o menos adequado possível ao debate franco e honesto. Falta-nos história, falta-nos lógica, falta-nos filosofia, falta-nos tanta coisa que é difícil superar os abismos que nos separam. Urge que interpretemos aquilo que chega até nós, ao invés de simplesmente aderir com rapidez aquela informação que melhor se conforma aos meus preconceitos afetivos e desejos quiméricos.

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