sexta-feira, 29 de maio de 2015

O Chiste da República


As imagens tragicômicas dos deputados assistindo a um vídeo pornográfico durante a sessão que discutia a reforma política de Eduardo Cunha (essa sim sacanagem das brabas) é um detalhe, mas um detalhe revelador, como o chiste que, por um instante, coloca a descoberto aquilo que estava nas sombras, um não dito que rasga os véus de hipocrisia consciente. Não pretendo enveredar pelo mesmo falso moralismo que fez a fama de muito desses senhores, paladinos da família e dos bons costumes, não tenho nada contra – ao menos em princípio – que se veja isso ou aquilo na internet dentre dos limites da lei e do desejo de cada um, mas me incomodo o farisaísmo.

Temos hoje o mais conservador congresso desde a nossa redemocratização, nossa jovem república passa por momentos surreais com figuras do quilate de Cunha, Calheiros e Bolsonaro saindo das sombras do congresso e agindo em plena luz do dia, alterando a constituição para tornar a picaretagem legal, pregando abertamente o racismo e a homofobia, sendo machistas sem nenhum pudor ou vergonha. Esses mesmos defensores da família, igreja e propriedade, assistem as escondidas filmes pornográficos. É assim que sempre foi, desde a época dos grandes cafeicultores paulistas que aprisionavam suas filhas e exigiam de todos decoro e pudor, mas frequentavam bordeis luxuosos as escondidas. 

Do velho slogan igreja, família e propriedade, o único realmente levado a sério, de maneira quase religiosa é a propriedade, os dois outros mais servem para justificar a opressão e o controle sobre os subalternos, sobre os outros, bem como para lhes dar justificativas morais tacanhas para serem os piores seres humanos possíveis, afinal, está lá em Levítico, deus abomina os homossexuais e isso é absoluto – não cortar barba e o cabelo é relativo, pois melhor convém – fazendo o oposto do que é a essência do cristianismo, que ordena que se ame ao próximo e deixe o julgamento ao altíssimo, ao invés de cristão, viram caricaturas grotescas de judeus do antigo testamento.

Aos hipócritas se unem sempre os fanáticos de ocasião, que amam odiar, e não precisam de meia desculpa para vomitar sua raiva sobre tudo e todos. Eu mesmo não duvido que logo algum pastor via jogar a culpa sobre as garotas dos vídeos, elas é que são culpadas por tentar os homens de bens, não eles, sucubi tentadoras a testar de maneira demoníaca a fé – essa é uma desculpa velha, mas muito boa, afinal mulher, ainda mais se for puta é culpada de tudo mesmo, desde Eva – Nossa hipocrisia secular é posta a descoberto pela banalidade de um vídeo repassado pelo Whats Up (zap zap), coloca-se as claras aquilo que usualmente tentamos esconder de nós mesmos com aquilo que Jung chamou de inconsciência artificial, preferimos não saber. Preferimos não saber que quase todo mundo fuma maconha e cheira pó, mas só os pretos pobres sentem o peso da força policial; preferimos não saber que uma parcela enorme dos homens já esteve com um travesti, mas apenas os travestis recebem a conta altíssima da homofobia; preferimos não saber que quase a totalidade dos homens casados traem ou frequentam prostíbulos (o que dá na mesma), mas só quem sofre com tudo isso são as putas e não os honrados pais de família.

Nossa cegueira moral nos levará ao abismo, enquanto formos uma república de hipócritas raivosos espumando de ódio. Nossa cegueira nos destruirá, pois como Jung gostava de repetir, citando um ditado árabe “a ignorância é vizinha da maldade”.

Um comentário:

  1. "Nossa cegueira moral nos levará ao abismo" três anos depois e flertamos com o abismo. E seu texto foi um anos antes das cenas da votação do golpe/impeachment.

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