quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Olhar para trás...

Eu nasci em uma data próxima do final do ano, se tivesse nascido no hemisfério norte seria bem no período do inverno, mas aqui onde calhou de eu vir ao mundo temos um verão perpétuo, com sol, calor e luz em abundância. Mas, independente do clima, creio que há um certo inverno da alma nessa época, a sensação de recomeço é agridoce, pois para que haja nova vida a antiga deve morrer. Se a semente do trigo não morre na terra ela não germina e o ciclo não recomeça. Mortes e renascimentos acontecem a toda hora, mas a nossa percepção para esse fato tão sublime e tão banal parece ficar mais aguçada ao se aproximar o apagar das luzes do ano. No dia do meu aniversário, resolvi fazer uma retrospectiva do meu ano, que foi meu e de todos simultaneamente, mas o acento subjetivo é necessário para que eu possa contar a minha história e, igualmente, a história onde a minha narrativa se desenrola.


Fazer um retrospecto do ano para mim é um trabalho hercúleo, visto a minha noção de tempo ser apenas rudimentar, a despeito de já estar me aproximando da “segunda metade” da vida, o sol da minha existência está bem próximo do zênite e, logo, começará a declinar. Mesmo assim, o tempo para mim é mais misterioso e fugidio do que para outras pessoas, talvez eu viva mais no tempo do espírito, ou, quem sabe, essa seja a sina dos que olham para aquilo que é eterno na alma. Esse olhar para o passado, que deveria ser fácil para o historiador, certamente, no meu caso, não passará de um esboço de memórias e sensações que teimam em não se ajustar a tirania dos ponteiros do relógio.


O trabalho de crescer nunca cessa, quando somos pequeninos a direção e a maior responsabilidade desse trabalho recai sobre nossos pais, mas à medida que crescemos fisicamente, ele recai, ou deveria recair, sobre os nossos ombros. Nesse ano eu cresci bastante, menos do que deveria e mais do que gostaria. Tive dificuldades imensas, não raro, maiores do que as minhas forças poderiam ser capazes de lidar. A adversidade povoou as horas desse ano que se esvai como raras vezes me aconteceu. Fui fustigado de maneira inclemente por problemas de toda a sorte, muitos deles causados pelas minhas decisões ou pela ausência delas, e tive que aprender a lidar com essas dificuldades ou elas me esmagariam.


Meus maiores problemas foram, algumas vezes, os mais mundanos possíveis, mas justo esses, exigiam de mim um esforço supremo de vontade para resolvê-los. Ao observador externo, talvez tenha parecido apenas o esforço patético de alguém desajeitado tendo que lidar com sua própria inabilidade, mas, patético ou não, foram essas decisões que carregavam a marca da poeira e da terra que ocuparam meu espírito e mais o angustiaram. Minha sabedoria mundana é reduzida, e meu ajustamento a algumas das exigências mais perversas de nosso convívio corriqueiro é, no máximo, precário. Por diversas vezes sonhei estar nu ou inadequadamente vestido em locais públicos, pois minha alma parecia querer me lembrar constantemente de minhas limitações. Cometi inúmeros erros, mas foram erros novos – em sua maioria – e, mesmo deixando um gosto amargo, eles também deixam em seu rastro algum aprendizado. Mais de uma vez, no ano que finda, tive que lidar com a irrealidade de minhas expectativas em relação às pessoas, e meus ideais tiveram um duro choque com a fria realidade. Talvez a maior evolução que possa ter sofrido, foi não ter me tornado cínico ou amargo com esses baques, e, ao mesmo tempo, sem abandonar minha maneira de ver o mundo, ter me tornado menos inflexível moralmente, pois não se vive apenas na estratosfera do pensamento. Além desses embates, tive que abrir mão de queridas quimeras que nutria ao meu respeito, além de descobrir coisas sobre mim que jaziam na espessa sombra da minha ignorância, coisas boas e ruins, mas em sua maioria, pasmem, boas.


Mas esse foi um ano paradoxal, esse mesmo observador que teria me julgado ridículo pela minha chocante inabilidade em matérias mundanas (da qual mais de 50% de nossa vida é feita) se espantaria com a quantidade de realizações, grandes e pequenas, que brotaram de meu espírito. Publiquei meu segundo livro, junto de meu dileto amigo Filipe Jesuíno, juntos também finalmente deixamos o pedestal da crítica para o solo enlameado (mas fértil) do trabalho com a transmissão do que sabemos e cremos. Publiquei um romance na forma de livro digital e, pasmem novamente, a despeito de minha timidez relacionada a essas coisas, tenho me esforçado para divulgá-lo. É com grande acanhamento e não certa volúpia que escuto as pessoas que já o lerem comentar ou tecer elogios. É algo fascinante e um tanto estranho e mágico que o mundo de minha imaginação possa ser habitado por mais alguém que não apenas eu. Sempre tive um pudor enorme de me intitular escritor, mas creio que agora eu o possa fazê-lo sem me sentir tão envergonhado.


Nesse ano, como já lhes disse, ensaiei meu retorno à docência, pois estive afastado das salas de aula por um bom par de anos – tempo demais, percebo agora. Ainda não sei que salas de aula me esperam no ano que se inicia, mas espero poder atravessar seus umbrais como fiz no passado. Resta somar ao conhecimento e habilidade da retórica e eloquência somar alguma habilidade prática para vender a minha capacidade e lidar com o tempo, o dinheiro e as relações de poder que tanto me afligem. Resta desse ano que se arrasta em direção ao seu impreterível final, a descoberta de que sou bem menos e bem mais do julgava ser, a descoberta da minha miopia e, a força advinda da adversidade, adquirida a duras penas e a certeza de que ainda me falta muito para me tornar o homem que aspiro ser.




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