quinta-feira, 22 de março de 2012

A Marca do Medíocre

Sabem, eu já conheci pessoas de todos os tipos, inteligentes e parvos, sábios e tolos, pessoas extraordinárias e as mais ordinárias que se possa imaginar. De algumas delas eu gostei, de menos ainda amei, mas a todas, sem exceção, eu observei com toda a atenção de que dispunha no momento. Acho todas as pessoas interessantes, e poucas coisas me interessam mais do que esse bicho estranho e contraditório. As pessoas extraordinárias não se parecem entre si, cada uma das pessoas fora do comum que encontrei era diferente, algumas vezes quase opostas das outras que tinha conhecido, mas, há uma categoria de gente, das mais curiosa, que possui um traço comum curioso.

O medíocre é alguém que, a mim me parece, é bastante similar em toda a parte. Para começo de conversa, se acham os mais sabidos e sagazes, nunca se dão conta do que são. O medíocre não é exatamente um tonto, tão pouco é inteligente. Nem frio nem quente, ele é morno, e assim como disse Paulo, a água morna dá vontade de vomitar. Todos os medíocres que conheci, tinham um singular hábito que os distinguia, todos eles tentavam cunhar frases, fazer aforismos de sua própria autoria, produzir “gotas de sabedoria”, citações inteligentes que levassem seus nomes ao final. Normalmente começavam a dizer essas estultices pomposas com “como eu costumo dizer...” e não se faziam de rogados a logo indicar a autoria da pérola: eles mesmos.

Nunca encontrei um medíocre que não tivesse feito ao menos um tentativa de ser um frasista, de cunhar um pensamento original ou interessante na forma de uma frase de efeito. Normalmente essas frases cunhadas por eles não passam, é claro, de platitudes. Como disse antes os medíocres não são burros, todavia, também não são inteligentes. Suas frases e aforismos, raramente transmitem algo errôneo, pois não passam de obviedades.

Essa característica comum me fez meditar, sobre o que os leva a ter esse comportamento. Certamente, todo medíocre aspira secretamente à grandeza, na verdade, aspiram a que os demais reconheçam a sua grandeza. Não que sejam grandes, ao contrário – a pesar de não serem exatamente pequenos – mas se julgam grandes, sábios e astutos. Não que aspirar a grandeza em si seja uma característica dos medíocres, ou algo intrinsecamente ruim. Acontece que o medíocre não sabe como fazer tal coisa e, em sua capacidade limitada de pensamento, tira uma conclusão equivocada! Ora, de toda a gente se escuta citações dos grandes nomes das letras e das ciências, todos eles produziram belas frases, logo, o que distingue um sábio da massa comum dos mortais é a capacidade de arranjar as palavras a fim de criar uma bela e sábia citação. Sendo os medíocres já grandes sábios (isso eles pensam) só lhes falta sua frase, ou aos mais ambiciosos, sua coleção particular de citações.

E claro que os medíocres estão um tanto equivocados nessa lógica, nem é preciso ser tão esperto para perceber isso... Ao ler “As Brumas de Avalon” de Marion Zimer Bradley, uma passagem se fixou em minha memória, pois justamente essa passagem vem bem a calhar para entender o comportamento dos medíocres, e os motivos deles jamais deixarem de o ser. Alguém pergunta a Viviane, a grande sacerdotisa, o motivo de Morgause, sua irmã, jamais ter se tornado uma sacerdotisa, sua resposta é esclarecedora “ela não consegue ver sob o manto da deusa”. Morgause via apenas o poder e a autoridade de Viviane, ela não conseguia enxergar os anos de sofrimento, humilhação, privação e trabalho duro necessários para obter esse mesmo poder e autoridade.

Freud, o pai da psicanálise, passou por dez longos anos de ostracismo, nessa época ele foi o único psicanalista e labutou em sua solidão para criar a sua jovem ciência. Jung passou três anos isolado até mesmo de sua família, entregue a sua fantasia criativa e aos caprichos de seu daimonion e desse período nas trevas se ergueu como uma das maiores e mais profundas personalidades do século vinte. Einstein trabalhou como um mero despachante num escritório de patentes e sua teoria foi incompreendida por longos anos por seus pares. Van Gogh vendeu em vida apenas um quadro e viveu como um desconhecido, sua arte incompreendida por seus pares. Tolkien tinha que passar as madrugadas corrigindo provas de redação como uma forma de ganhar algum dinheiro extra para sustentar sua família, e dedicou a vida inteira ao estudo da filologia, somente no fim da vida pôde desfrutar de uma situação financeira confortável e de certa fama. Os exemplos podem se multiplicar as centenas, mesmo assim, o medíocre só enxerga a glória, e as citações.

O medíocre não percebe, que as citações, as belas frases, são pinçadas de obras que foram criadas com suor e trabalho árduo, as belas frases e aforismos, não foram feitas para serem decorativas, mas fazem parte de um esforço maior de produzir uma obra com significado. Lembro de Campbell, que morou por dois anos “no mato” sem ter um tostão no bolso na época da grande depressão, e que quase não conseguiu um editor que quisesse editar seus “Herói de Mil Faces”, Joyce, maior romancista do século XX, vivia as custas de bem feitores, e labutava sem parar, as vezes por décadas em seus livros. George Lucas teve que enfrentar a descrença de todos para lançar seu Star Wars, os produtores acreditavam tanto que o filme seria um fiasco que se recusaram a pagá-lo, preferiram deixar ele com todos os direitos sobre merchandising, o que acabou por torná-lo um bilionário...

Mas o medíocre não tem tempo para essas bobagens, afinal, ele já é um grande sábio, os outros tontos é que ainda não se deram conta desse fato inelutável. Ele só precisa brindar o resto dos mortais com seus pensamentos em forma de frases memoráveis, que certamente levam seus nomes logo abaixo... É como eu sempre digo, sempre espere de um medíocre uma frase tola travestida de um pensamento original...