quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Sobre a Morte

Recentemente, o pai de um amigo faleceu, e, como se trata de uma boa alma esse amigo, sua dor despertou a compaixão e preocupação daqueles que são próximos a ele. Certamente me incluo entre aqueles que foram tocados pela dor desse amigo, mas não sou muito bom em expressar meus sentimentos, a natureza, todavia, possui meios de compensar certas deficiências e, ao deitar a pena ao papel, consigo expressar de maneira menos tacanha aquilo que torna meu coração pesado.

O intuito desse escrito, no entanto, se traduz não apenas como uma maneira de confortar alguém que sofre, mas como uma reflexão sobre a morte e seus efeitos sobre nós, homens modernos. Cada um de nós, indivíduos singulares, vive uma vida individual, mas, não importa quem sejamos ou onde vivamos, todos sem exceção, temos de encarar a morte. Seja a morte de alguém que amamos e admiramos, ou a nossa própria finitude. Fatalmente estamos unidos como gênero humano na capacidade de sentirmos algo em relação a esse destino e de podermos refletir sobre nossa funesta sorte, até onde nos permite saber a nossa ciência, somos os únicos no universo a poder encarar a morte com consciência. Tragicamente, raramente o fazemos.

Quando soube do falecimento do pai desse amigo, entabulei uma rápida conversa que me chamou profundamente a atenção, justamente por expressar de maneira singela a atitude habitual que a maioria esmagadora de nós temos diante da morte. Assim ouvi “estranho isso, essa semana outros pais de outras pessoas próximas também morreram”, ao que eu retruquei “mas o estranho seria justamente se eles vivessem para sempre”, pouco depois, seguiu-se a seguinte afirmação, carregada de genuína compaixão, apesar de ingênua “não desejo isso para ninguém”, ao que retruquei “mas todos fatalmente passaremos por isso”. A morte é uma certeza inelutável, e triste não é aquele que perde um pai, mas quem nunca perdeu um pai, pois se assim é, é porque nunca teve um. Todos nós, que temos entes queridos, em algum momento os perderemos. Um filho que enterra um pai cumpre um desígnio natural e inevitável, o que não desejo a ninguém é a dor de enterrar um filho.

Certa feita, o mestre zen Sengai recebeu um pedido para escrever uma caligrafia auspiciosa, em resposta ele escreveu “pai morre, filho morre, neto morre”, isso gerou choque e espanto, e diante da estupefação do homem que lhe pediu para escrever a caligrafia auspiciosa Sengai respondeu “Isso é auspicioso. Se seus filhos morressem antes de você, ou seus netos morressem antes de seus filhos, você seria extremamente infeliz. Se as pessoas de sua família vivem geração após geração e morrem nessa ordem, o que pode ser mais auspicioso?”. Mesmo a morte sendo o destino de cada um de nós, procuramos viver esquecidos dela, fingindo para nós mesmos que a morte só acontece com os outros, ou que está sempre distante, vivemos na ilusão ingênua de que sempre temos tempo e nos esquecemos tragicamente que o único requisito para morrer é estar vivo. Mesmo assim, insistimos em afastar de nossa mente essa realidade, como algo funesto e de mau agouro, o que não nos ajuda a viver mais ou melhor, apenas nos torna míopes e despreparados para lidar com a vida.

Não existe nada sob o céu que realmente dure, tudo aquilo que acreditamos ser sólido, na realidade, é tão insubstancial quanto o tecido do sonho. Tudo é passageiro e impermanente, inclusive e principalmente nós mesmos. Ao tomarmos consciência desse fato elementar, somos levados a humildade, pois não importa quão bons ou belos sejamos, um dia morreremos. Ao tentarmos ingenuamente afastarmos de nossa vida toda a sombra, nos tornamos bi-dimensionais, a treva é a contraparte natural e inevitável da luz, ao afastarmos as trevas, ao ignorá-la, afastamos inadvertidamente a luz. A consciência da morte é, paradoxalmente, a consciência da vida e da maravilha de estar vivo. Essa consciência nos torna melhores, mais aptos a aceitar a vida, com aquilo de belo e horrendo que possui, e aproveitá-la. A morte de alguém amado é certamente uma tragédia, mas é algo para o qual estaríamos mais preparados se não insistíssemos em viver em auto-engano.

Conta-se que uma mulher chamada Kisa Gotami levou seu filho morto ao Buda e, em profundo desespero, pediu que ele o ressuscitasse. O Thatagata disse que realizaria esse milagre desde que ela lhe trouxesse uma semente de mostarda de uma casa onde a sombra da morte jamais tivesse passado. Por mais que procurasse, a mulher não encontrou um só lugar, uma só casa onde a morte não tivesse ceifado alguém, horas depois, ela retornou ao Buda e agradeceu, tomou novamente seu filho nos braços e o levou para ser enterrado. Essa dor não é uma dor individual, mas é uma dor que pertence a todos nós, ninguém está sozinho ao passar por essa situação, a perda de um ente querido. Isso não significa que não soframos, mas que podemos encarar essa dor sem desespero, com consciência e dignidade.

Meus pêsames Wilson, todos nós ficamos tristes e preocupado com você, e todos sem exceção desejamos o melhor para você e a sua família. Que seu pai descanse em paz, ele pode se unir aos justos com a certeza de que deixou para o mundo um bom filho e uma pessoa boa, ele pode, certamente, descansar em paz.

Um comentário:

  1. Ainda não passei por um luto como esse: perder para sempre uma pessoa tão amada.
    Se quer consigo imaginar a dor que nosso colega Wilson passa no momento.
    Quando criança ouvia que os mortos vão para um lugar melhor, que a morte é uma passagem... ouvia tantas coisas...
    Morte - Vida, que linha tênue existe entre estar e não estar aqui.

    ResponderExcluir