quarta-feira, 13 de abril de 2011

Meditação

A princípio (como de costume) pensei em escrever algo mais geral sobre meditação, mas resolvi escrever sobre a minha experiência. Pratico meditação a mais de duas décadas, e nem saberia dizer ao certo o impacto preciso dessas práticas na minha vida, pois me parece que sempre fizeram parte do meu cotidiano, mas talvez um causo que aconteceu comigo ajude a entender os efeitos práticos da meditação. Estava eu em um local de reputação extremamente duvidosa quando em conversa com uma garota que lá estava ela me deu uma resposta bastante “enviesada”, eu apenas sorri e deixei para lá no mesmo instante. Um senhor profundamente embriagado que observava a cena toda apontou para mim e afirmou “você é budista”. Espantado com a perspicácia dele, comecei a conversar, o tal ébrio era um professor universitário de Filosofia e passamos um bom tempo conversando sobre a filosofia da história em Kant e Hegel, ele iniciou essa conversa com a desconcertante, mas fundamental pergunta “o que é história?”.

Pois bem, a prática da meditação lhe ajuda a perceber que criamos o mundo a nossa volta e que boa parte de nossos dissabores (se não todos) são causados pela maneira como nossa mente encara aquilo que ocorre a nossa volta. Duas historietas zen exemplificam bem isso. Ananda estava meditando em uma floresta, mas não conseguia se concentrar devido ao barulho do chilrear dos pássaros, por isso foi meditar próximo a um rio. Às margens do rio o barulho dos peixes o desconcentrava e o impedia de meditar. Irritado ele capturou e comeu todos os peixes e todos os pássaros e mudou-se para uma caverna. Ali novamente ele não pôde meditar, pois ficou com dor de barriga.

Um certo monge zen sempre se queixava a seu mestre que assim que ele começava a meditar surgia uma aranha gigantesca que o impedia de se concentrar. Ao ouvir esse relato o mestre sugeriu que ele mantivesse ao seu lado durante o zazen um pincel de caligrafia, quando o monstro surgisse ele deveria pintar um círculo na barriga da criatura para poder descobrir que tipo de monstro era aquele. O monge assim o fez, pegou um pincel e sentou-se em lótus para meditar. Mal começou a se concentrar e a enorme aranha surgiu, rapidamente ele usou o pincel e fez como lhe fora ordenado e pintou um círculo na barriga do monstro, imediatamente a criatura sumiu e ele pôde meditar em paz. Horas depois, ao terminar seu zazen, qual não foi à surpresa do monge ao notar que havia um círculo preto pintado em seu próprio estômago.

Um dos fatores fundamentais na meditação, especialmente a meditação Shamata (prática de pacificação da mente, ou meditação passiva), é a atenção dada à respiração. Pratiquei por alguns anos a meditação zen da escola soto. Essa escola de budismo mahayana prega que a prática da meditação não visa nenhum fim específico, não se busca nada, pois a prática é a própria iluminação. A meditação não lhe dará absolutamente nada, pois nada lhe falta, a única coisa que se busca é o gyoji (prática incessante). Nesse tipo de prática senta-se sobre um pequeno tatame com uma almofada em posição de lótus ou meia lótus, ou de joelhos (seiza), com a mão esquerda repousando sobre a direita, de frente para uma parede com os olhos semicerrados e a coluna bem reta (isso é fundamental) e apenas se observa a respiração, contado a expiração até dez e depois recomeçando, isso por quarenta minutos. Depois faz-se uma meditação caminhando, com o punho direito fechado e a mão esquerda espalmada sobre ele, a cada expiração se dá um meio passo bem curtinho. Depois de alguns minutos, volta-se ao local do início faz-se mais quarenta minutos de meditação sentada.

Essa é uma prática muito poderosa e também muito difícil. Não fazer nada, ficar simplesmente imóvel, cultivar o silêncio é algo extremamente difícil de se fazer, pois estamos sempre agitados e fazendo muitas coisas ao mesmo tempo. Toda essa agitação é justamente o que deveria nos levar a cultivar o silêncio e a imobilidade para equilibrar os pólos de nossa energia, balancear o Yin e o Yang, mas como estamos sempre com excesso de Yang, fica difícil cultivar nosso aspecto Yin.

Todavia a prática da meditação Shamata, se tornou para mim mais fácil depois que aprendi algumas técnicas com a monja Anizamba. Uma dessas técnicas mudou profundamente a minha prática. Ao invés de se observar a respiração e contá-la, deve-se manter num estado de atenção e observar seus sentidos e a sua própria mente, sem interferir de maneira alguma, apenas observando. Sempre que se escuta algo deve-se registrar algo como “escutando” sem se prender a essa sensação, sem criar uma história “isso foi o freio de um carro, deve ter acontecido um acidente” e assim por diante, ao invés disso simplesmente toma-se consciência da percepção e no mesmo instante deve-se deixá-la desaparecer da mesma maneira espontânea como ela surgiu. Assim para todas as sensações e também, sempre que surgir um pensamento, registrá-lo da mesma maneira e deixar que ele se vá, de maneira espontânea, sem tentar forçar a mente a se abster de pensamentos e sem se fixar em nenhum pensamento em particular.

Como disse antes, essa prática, apesar de simples ou talvez por ser simples, mudou de maneira significativa minha meditação. Durante a meditação shamata é comum que nossa mente fique cheia de um burburinho, uma espécie de ruído que nos atrapalha, e é difícil resistir à tentação de tentar ativamente se concentrar e forçar a mente a ficar sem pensamentos, ou ceder a se fixar num desses pensamentos e se distrair. A meditação é como uma vasilha cheia de água com sujeira, para decantar a sujeira basta deixar a água imóvel. Além disso, a “sujeira” não é nossa inimiga, nossa confusão mental é o nosso caminho espiritual, pois na raiz de todo fenômeno ilusório está sempre a nossa natureza fundamental de pura sabedoria, mesmo nossas emoções negativas são a expressão da energia dessa natureza fundamental e se pudermos encará-las em sua forma pura, da maneira como aparecem a nós sem nos deixarmos engajar em toda a sorte de ilusão que nos provocam, podemos contemplar essa energia primordial.

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